segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não tenhas medo de dar a tua resposta

Não tenhas medo de dar a tua resposta


Por: Marcilio Reis dos Santos, seminarista do 4º ano de Teologia

Diariamente deparamo-nos com inúmeras possibilidades, caminhos, escolhas. Todos os dias nossa liberdade é provocada frente às opções que devemos fazer. Aliás, a pessoa humana não consegue viver sem optar. Fazer escolhas é necessário e quando a escolha é bem-feita, faz-se a experiência da conquista, da alegria de haver acertado e da certeza da felicidade.
Na vida todos buscamos a realização humana, mas esta realização pode aparecer a cada um de forma diferente e até mesmo são muitas as formas de alguém se realizar plenamente. A cada momento da história da pessoa humana há expectativas e exigências e a cada uma delas há maneiras diferentes de concretizá-las. É preciso, portanto, escolher o melhor, onde as possibilidades de realização também são maiores.
O que farei da minha vida? Esta pergunta é inquietante para todos aqueles que realmente querem traçar um caminho em busca da realização humana, profissional e vocacional.
Pergunta-se pelo “que fazer da vida” é muito mais dolorido e complexo que perguntar-se pelo “que os outros querem de minha vida”. Perguntar-se a si mesmo pelo “que devo fazer da vida” é muitas vezes articular uma questão sem resposta verbalmente enunciada. É colocar-se frente a si mesmo e frente a Deus, pedindo a Ele a graça de poder responder através das escolhas e ações.
Ainda quando falamos do “que fazer da vida” não estamos pensando apenas no que vamos exercer, de que faculdade cursar ou profissão abraçar. Estamos nos reportando mentalmente a um universo muito mais amplo que tem a ver com nossa identidade cristã e com nossa identidade vocacional.
Nós não nascemos por acaso, mas somos frutos de um projeto de Deus. Foi Ele quem nos chamou a vida e nos fez à “sua imagem e semelhança”. Portanto, é preciso tomar consciência desta nossa identidade humana, buscando amadurecer em todas as suas dimensões e dando-se conta das capacidades e dons, bem como, das fraquezas e limites.
Pelo batismo confirmamos nossa adesão de seguimento ao chamado de Jesus Cristo. Ele é Caminho, Verdade e Vida, nos ajuda a descobrir a vontade do Pai e nos fortalece, através dos sacramentos, para o compromisso cristão de construção do Reino de Deus. A identidade cristã é uma tarefa que se realiza na educação da fé, na superação de suposições pseudo-religiosas e no aprofundamento da participação da vida religiosa da realidade eclesial em que se encontra. A identidade cristã, assim como a identidade humana precisa ser cultivada e sedimentada ao longo de toda vida.
A partir desta identidade humana e cristã, podemos então perguntar-nos pela nossa identidade vocacional. Neste contexto aparecem às vocações especificas de serviços leigos nas comunidades. São os ministérios não ordenados como: catequistas, ministros da comunhão eucarística, animadores da liturgia, coroinhas, grupos de jovens, etc. Pessoas, solteiras ou casadas, que prestam um serviço a comunidade eclesial não obstante as compromissos profissionais e familiares.
Há outros que se perguntando pela sua identidade vocacional irão descobrir que Deus lhe propõe a vocação a vida consagrada. A vocação sacerdotal ou religiosa consagrada é uma escolha livre e amorosa de consagração a Deus  ao serviço do povo, dedicando o nosso tempo integral, nossas qualidades, tudo para instaurar a vida de Deus neste mundo.
Querido jovem, você está diante de caminhos diferentes. Todos muito bons. Não há vocação melhor ou pior. O importante é escutar a voz de Deus e o clamor do seu povo, com suas realidades que nos impulsionam para a missão. Não tenhas medo de dar a tua resposta generosa, pois o mundo precisa de pessoas corajosas capazes de fazer a diferença.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Vale a pena, mesmo!!!


Carta a um (a) jovem vocacionado(a)



Por: Marcilio Reis dos Santos, 4º Ano de Teologia.

          Jesus Cristo continua passando pelos nossos caminhos e com o seu olhar nos interpela amorosamente a segui-lo. Feliz será quem for seduzido pelo olhar cheio de ternura de Deus e, de forma generosa, aceitar com prontidão abraçar a vida consagrada e missionária. Este primeiro encanto nunca irá desaparecer quando for acompanhado com uma atitude de fé e de zelo pelas coisas de Deus.
Para que a chama deste primeiro encanto nunca apague, é necessário viver em sintonia com Deus, ser dócil ao Espírito Santo, ter um encontro diário com a Sagrada Escritura, cultivar uma vivência frequente dos sacramentos da reconciliação e da Eucaristia; ademais há outros elementos a serem prezados: o gosto pela oração e as práticas de piedade, o cultivo das virtudes humanas e cristãs, o espírito de pertença a Igreja, a disponibilidade ao acompanhamento vocacional e uma grande abertura aos outros.
É vivendo continuamente esta experiência pessoal com Jesus Cristo e participando ativamente da vida eclesial, que a sua resposta vocacional vai ganhando corpo e você se tornará um discípulo missionário, cheio de vitalidade e apaixonado pelo Reino de Deus. Na verdade, tudo vale a pena quando abraçamos aquilo que amamos e amamos aquilo que abraçamos. Um vocacionado, seminarista, religioso (a), sacerdote apaixonado pela vida fraterna e pela missão da Igreja é uma benção e um instrumento da graça de Deus.
Quanto a diversidade vocacional na vida da Igreja poderíamos ressaltar uma bela comparação do Bem-Aventurado João Batista Scalabrini, que assim certa vez se expressou: “olhai este órgão: é uma imagem da vida cristã, como Deus a constituiu. No órgão existem mil sons diferentes. Cada tubo tem a sua forma, cada lingueta tem o seu timbre, cada abertura a sua grandeza, cada jogo a sua variação e quando se move tudo com um principio inteligente, resultam maravilhosos acordes. Assim, cada um de nós temos a nossa vocação, o nosso caráter, os nossos deveres; cumpramo-los, segundo o querer de Deus e todas as nossas obras formarão uma celeste harmonia, que nos tornará alegres de graças supremas”
Com essas palavras, Scalabrini nos ajuda a perceber que Deus nos chama a uma missão muito especial para a edificação do Reino de Deus, que também é nosso, diz uma de nossas orações eucarísticas. Ele nos capacita, nos unge e nos envia em comunhão com toda a Igreja para anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. Diante dessa diversificada e bela harmonia, tenha a certeza, de que Deus precisa e conta com a sua generosidade e o seu amor para continuar a missão confiada aos apóstolos, os leigos e a tantos consagrados e sacerdotes na história da salvação.
A você estimado jovem que esta acolhendo e discernindo com muito carinho o chamado de Deus, confie na providência divina e busque, de forma consciente e motivada, ser um discípulo missionário de Cristo Jesus o nosso redentor. Vale a pena, mesmo!




quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Eu vou porque Deus me chamou


“Eu vou porque Deus me chamou”

Por: Marcilio Reis dos Santos, 4º Ano de Teologia.

Edições CNBB

            Na vida existem muitas possibilidades, muitos caminhos, muitas escolhas. Todos os dias nossa liberdade é provocada a fazer uma escolha. Escolher é necessário e, quando a escolha é bem feita, faz-se a experiência de uma grande liberdade.
Todos buscamos nossa realização plena como pessoas e como cristãos. São muitas as maneiras de alguém se realizar. São muitos os caminhos: é preciso escolher o caminho certo. O desafio é enfrentar as encruzilhadas da vida: parar, pensar, refletir, rezar e escolher o caminho que mais nos permite viver nossas aspirações e responder ao chamado interior que Deus nos faz. O ideal é não descartar nenhuma proposta vocacional, mas acolher todas as vocações como possibilidades de realização, como caminhos possíveis para mim. Todas as vocações são boas. É preciso então descobrir o caminho por onde Deus nos chama. Quer guiar-nos e acompanhar-nos. Ele nos dará forças e graças para seguirmos nosso caminho e vivermos bem nossa vocação: “Eis que Eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20).


A vida já é uma vocação. Viver segundo o plano de Deus é responder a esse chamado da vida. Podemos chamá-la de vocação humana: passar a existir e viver como gente; ser “imagem e semelhança” de Deus: ser capaz de amar e de doar-se; viver com sabedoria e liberdade...
Ser um seguidor de Jesus Cristo, eis o compromisso da vocação batismal. Pelo batismo somos chamados por Deus a sermos discípulos de Cristo, morada do Espírito Santo, membros da Igreja (a família de Deus) e vivermos uma vida de santidade. Todo cristão leigo é alguém comprometido com a sua comunidade: participa, colabora, coloca-se a serviço... Como solteiro ou no matrimônio, o cristão leigo vive a sua vocação de batizado.
Deus chama alguns homens e algumas mulheres a viverem um estilo de vida diferente e especial: é a vocação à vida consagrada. Ser religioso ou religiosa é ser uma pessoa consagrada a Deus e a serviço de seu povo; é amar a vida e participar de modo integral da realidade do chamado a uma consagração mais radical no seguimento, num modo mais humano e mais belo de viver a vida.
A vocação ao ministério ordenado (diácono, padre, bispo) é um caminho belo, nobre, e desafiante em nossos dias. O padre é o homem da comunhão: com Deus e com o seu povo. Comunga a alegrias, sofrimentos e esperanças da humanidade. É ele quem alimenta os cristãos com a Palavra de Deus e os sacramentos.
Não podemos esquecer-nos da vocação missionária. Todo cristão é missionário. Toda Igreja é missionária. Todo povo de Deus anuncia o Evangelho, assim nos exorta o Santo Padre, o Papa Francisco em sua exortação Evangelli Gaudium, a alegria do Evangelho. Pelo batismo, recebemos esta vocação. Cristo nos envia em missão: “Ide pelo mundo inteiro e pregai o meu Evangelho a toda criatura” (Mt 18-20). Ser missionário é iluminar as realidades deste mundo com a Palavra de Deus e construir um mundo novo segundo os valores da mensagem de Deus.
Estamos diante de caminhos diferentes. Todos muito bons. Não há vocação melhor ou pior. O importante é escutar a voz de Deus que lhe convida a escolher o caminho a seguir. Tenha esta certeza: se Deus chama, também acompanha os passos de quem Ele amorosamente chamou. Que possamos com toda a segurança e serenidade gritar bem alto: “Eu vou seguir meu caminho, porque Deus me chamou”.



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

HOMILIA NA FESTA DE SENHORA SANTANA – 2014


FESTA DE SENHORA SANTANA – 2014

Foto: Pascom/Diocese de Serrinha



Irmãos e Irmãs, eu estava esperando a festa de Senhora Santana deste ano com muita ansiedade, querendo apresentar à nossa Padroeira o que me preocupa e até me angustia, a respeito de nossa Diocese e de nossa cidade de Serrinha, seja a nível espiritual, seja a nível social.
No que diz respeito à nossa Igreja, quero destacar o Sínodo Diocesano, a situação vocacional e a reforma da catedral.
O Sínodo Diocesano, como consequência da Visita Pastoral, convocou a Diocese toda a uma reflexão profunda sobre a Nova Evangelização, para entender e propor o que a Igreja necessita em nossos dias para enfrentar a evidente situação do abandono da fé, do sempre mais frágil fermento evangélico nas relações humanas, da dificuldade crescente de penetrar com a mensagem evangélica nesse mundo secularizado e indiferente a uma cultura religiosa esclarecida e profunda e aos critérios de moralidade que a Igreja apresenta.
Foto: Pascom/Diocese de Serrinha
Sim, queridos irmãos e irmãs, também em nossa Igreja Particular, que na sua grande maioria se define católica, cada vez mais os fiéis se colocam à margem de Deus e da Igreja. Os primeiros resultados da estatística efetuada nas Paróquias devem deixar inquieto o nosso coração e estimular a nossa paixão pela Igreja, amando-a e servindo-a como Cristo a amou e a serviu: este amor e este serviço tornar-se-ão missão, evangelização.
Não tem como ficar parados no comodismo ou na ilusória convicção de que a maioria é católica e está conosco, porque na verdade não nos conhece e não a conhecemos; isso significa que estas pessoas não conhecem a Jesus Cristo, tornando-se alvos fáceis dos mercantes da religião e dos produtos imorais, apresentados como caminhos de emancipação e libertação.
Cito, como exemplo, a situação do nosso povo à respeito dos Sacramentos da iniciação cristã, que contempla mais do 50% sem a recepção completa dos três sacramentos. Outro exemplo é à respeito do sacramento do Matrimônio e dos problemas anexos. Os casados na Igreja são bem menos do que os conviventes; os problemas relativos ao matrimônio, que se alastram sempre mais entre nós, tais como a convivência, o divórcio ou a separação, o aborto, as uniões homo-afetivas, representam uma derrota da dignidade humana, mesmo que sejam amparadas pelas leis civis, mas estas não bastam para garantir comportamentos virtuosos. As leis são feitas para garantir a ordem, mas, como nos lembra São Paulo “o homem é justificado não pelas leis, mas só pela fé em Cristo” (Gl 2,16). O homem é justo, é virtuoso quando acolhe Cristo e a sua Palavra.
Meus irmãos, minhas irmãs, todos devemos desejar que os matrimônios durem para sempre numa relação de mútuo amor, que não haja mais abortos, porque um matrimônio que dura para sempre é um valor maior do que um laço quebrado; uma criança nascida é um valor maior do que uma abortada; um compromisso de amor para sempre é um valor maior do que um amor inconstante e variável, dependente do humor do dia. Não há desculpas sustentáveis para aceitar o contrário, pelo menos para nós que temos fé.
O nosso Sínodo Diocesano enfrentará estes e tantos outros problemas e, à luz da Palavra de Deus e da Igreja, oferecerá luzes e estímulos para quem desejar viver sua vida cristã de forma virtuosa e madura.
Mais uma vez, portanto, lanço o meu apelo a todos a assumirem o Sínodo Diocesano como prioridade absoluta em nossa caminhada eclesial, lembrando que este é tempo de graça, tempo da passagem do Senhor em nosso meio, tempo para contribuir com a oração, com propostas e ideias para fazer acontecer a Nova Evangelização.

Foto: Pascom/Diocese de Serrinha

Uma segunda, grande preocupação é a situação vocacional na Diocese, seja das vocações diocesanas, como também das vocações religiosas. Há uma escassez injustificada, porque sabemos que Deus não deixa faltar os pastores para seu povo. O “deserto espiritual” do nosso tempo, denunciado pelo Papa emérito Bento XVI, é o maior impedimento para o desabrochar das vocações, mas também falta o nosso interesse , o nosso testemunho, a nossa oração. Na atividade vocacional “conjugam-se a obra da graça e o esforço humano” (Doc. 93 CNBB, n.11).
“Evangelização e vocação são dois elementos indissociáveis. O critério que mede a autenticidade de uma boa evangelização é a sua capacidade de suscitar vocações, de amadurecer projetos de vida evangélica e de envolver integralmente o evangelizado até torná-lo discípulo, testemunha e apóstolo” (Pe. P. Chavez). A Nova Evangelização exige pastores e animadores vocacionais que sejam verdadeiros guias espirituais para os jovens.
Mas isso não basta. Precisamos de famílias evangelizadoras que levem seus filhos a crescer na fé, pela qual se abram ao chamado de Deus. “A Nova Evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados” (E.G. 120), porque “onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas” (E.G. 107).
Como terceiro ponto, trato da reforma de nossa Catedral. Tenho certeza de que esta obra está em consonância com os sentimentos, os desejos e o fervor que levaram os nossos antepassados a construir este grande templo, elegante nas suas formas arquitetônicas, idôneo para a celebração dos santos mistérios, respondendo às exigências espirituais e transcendentes dos fiéis. Inaugurada há cerca de 40 anos atrás, esta igreja, elevada à dignidade de Catedral em 2005, é o legado de fé transmitido por eles, como maior patrimônio para sua descendência.
É para fazer memória e conservar este legado da fé que decidimos por mãos à obra: queira Deus que todos pensem e participem desta obra como testemunho da fé recebida e, ainda hoje, proclamada e vivida. Será o nosso legado para as novas gerações que, afetadas pela mentalidade corrente do relativismo e da autossuficiência, encontram mais dificuldades a dar espaço ao Deus da vida.
As pessoas mais idosas poderiam contar histórias bonitas, relativas à construção deste templo e ao caminho de fé que dele se irradiou e que nós recebemos como um dom precioso. Dentro dos meus limitados conhecimentos, quero lembrar o Mons. Carlos Olímpio Ribeiro que deixou o marco histórico religioso do fogaréu, além de ter lançado a primeira pedra desta igreja; o Mons. Demócrito Mendes de Barros que continuou e finalizou a construção da Igreja e deixou para os Serrinhenses um grande legado cultural, chegando a instituir uma escola no salão paroquial; enfim, para enaltecer o grande número de leigos que amaram outrora a Igreja e os que a amam hoje, recordo a saudosa Dona Pombinha, recém falecida, grande educadora na fé e testemunha luminosa em nossa Igreja.
E agora, lembrando que o papel da Igreja é ser sinal da solicitude salvífica de Deus pela humanidade, passo a discursar, como costumo fazer na festa da Padroeira, sobre a situação político-social em nossa cidade. É dever da Igreja, conforme sua Doutrina social, entrar neste aspecto porque os cristãos são cidadãos com os mesmos direitos e deveres dos outros e, portanto, interessados pela cidade, mas também porque nós cristãos podemos oferecer um suplemento de luz aos problemas humanos, políticos e sociais, por meio da Palavra de Deus. Comunidade religiosa e comunidade civil devem se encontrar, devem dialogar sem medo, mantendo-se cada uma no seu âmbito, mas buscando juntas, com honestidade e com coragem, o que for melhor para o povo. O engano e a esperteza não prestam neste diálogo.
Nós estamos longe de conhecer detalhadamente as situações de degrado moral, social, institucional e, portanto, é difícil oferecer orientações e respostas. O que se vê é o sofrimento do povo, é a ausência de serviços, é a falta de planejamento a vários níveis, é a corrida ao poder e ao sucesso, são as promessas não cumpridas, são as artimanhas utilizadas para driblar leis e convênios.
Aqui é necessário citar alguns dos tantos problemas que incomodam as pessoas mais carentes, deixando-as desamparadas e humilhadas em suas necessidades.
Refiro-me ao problema da saúde, lembrando que com a saúde não se brinca. E aqui se costuma brincar com a saúde de quem não tem planos nem recursos. É uma vergonha ter que recorrer a políticos para um serviço que é devido e que deveria ser oferecido com a maior presteza e com a competência necessária. Onde está o programa “mais saúde: direito de todos”, tão bonito no papel e tão falho na prática?
A “S” de saúde deve ser letra maiúscula, como os nomes próprios, para dizer a importância e a dignidade da palavra. Em nossas cidades, mesmo com algumas diferenças positivas, a saúde nem letra minúscula tem!
E a saúde da política em que situação se encontra? Com certeza, alguns irão criticar esta minha intervenção, porque estamos no ano eleitoral; mas recordo que disso falei também fora do tempo de eleições, porque é meu direito e meu dever sendo pastor deste povo.
Pois bem, todo mundo sabe que é difícil de se encontrar a política verdadeira, enquanto que a politicagem é superabundante: a primeira trabalha para o bem do povo em espírito de serviço; a segunda trabalha para seus interesses.
A este propósito, transmito a palavra do Papa Francisco: “Acho que é difícil permanecer honesto na política. Há pessoas que gostariam de fazer as coisas de modo claro, mas depois, é como se fossem engolidas por um fenômeno endêmico, transversal. É preciso reabilitar a política, porque se desvalorizou por causa da corrupção e do suborno”. Pois bem: onde estão os católicos eleitos? Porque não se manifestam com coragem, não renunciando aos ideais cristãos, a custo de perder sua cadeira?
Outra palavra com letra maiúscula é Segurança: outro campo fora de controle e trata-se de um campo minado, ao ver os números das mortes violentas em nossas cidades. Há poucos dias, o Professor Luiz Mott, titular de antropologia na UFBA escrevia no jornal A Tarde: ”Temos medo, sim, por isso vivemos todos presos dentro de casa, com muros altos, cerca elétricas e grades pontiagudas. Nos últimos anos os cidadãos de bem tiveram de entregar suas armas ao governo, enquanto os ladrões andam soltos, matando 137 cidadãos por dia! Os culpados são os donos do poder que não zelam pela nossa integridade física, que usam a polícia e exército para atirar contra manifestantes, mas não garantem a segurança pública”.

Foto: Pascom/ Diocese de Serrinha
 Por quanto tempo ainda o povo deverá suportar este vexame? E ao povo que tem nas mãos a arma do voto eu pergunto: não tem olhos para ver a situação? Onde estão as manifestações a favor dos vossos direitos?  O bom funcionamento dos poderes públicos depende da capacidade do povo de escolher seus representantes, de exigir dos Órgãos públicos,  de interpelar o Poder Judiciário para obter o que é um direito, o que a Constituição garante a todos para uma vida digna. Chega de contentar-se com as migalhas e o assistencialismo.

Mas denunciar não basta. Neste momento de grande crise de valores, temos que admitir que esta crise é o fruto de escolhas egoístas, de uma educação errada nas famílias e nas escolas (.....) e ter, ao mesmo tempo, a coragem de mudar, de antepor os interesses gerais aos particulares, de entrar nos ambientes do mundo com a força da fé, de forma que se possa transformá-los, revestindo-os com a cultura do respeito, com a cultura de uma convivência de paz, de amor, de fraternidade.

Esta cultura encontra sua origem no Amor de Deus por nós: este amor não é uma fábula, porque em Cristo se manifestou concretamente e com Ele é possível construir uma cidade em que a bondade e o amor sejam a marca maior.
Será que os nossos jovens são capazes de uma contra-tendência, assumindo uma postura ética que valorize a solidariedade, a compreensão, o serviço? Uma postura que se instale na consciência e esteja sempre pronta a afastar a injustiça, a não aceitar a corrupção, praga que invade o mundo e atinge as pessoas mais simples.
Dizia o Papa Francisco há pouco tempo: “A comunidade cristã é o lugar onde o empresário, o político, o profissional, o sindicalista recebe a linfa para alimentar seu compromisso e confrontar-se com os irmãos”. A nossa pastoral, para ser incisiva, é chamada a confrontar-se com estes problemas sociais que produzem mal estar e desânimo.
Queridos irmãos e irmãs, uma possibilidade de saída desta situação negativa existe: ela está dentro de nós, porque Deus colocou em nossos corações potencialidades que têm a força para reagir; o homem pode construir algo de inédito e de maior do que a própria crise.

Não me resta outra coisa a dizer, se não uma súplica à Nossa Padroeira. Senhora Santana, como soubestes preparar vossa filha Maria a acolher o Filho de Deus, ajudai-nos a acolher Jesus: caminho, verdade e vida. Único caminho, única verdade, única vida digna de ser vivida. Assim, com a vossa proteção Senhora Santana e com a presença de Jesus Cristo em nós, será mais fácil fazer um bom caminho sinodal e tornarmos presença significativa em nossa cidade, despejando um grande amor pelos homens, pela cidade, pelo mundo. Amém.
Foto: Pascom/Diocese de Serrinha

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Direito Canônico - Do Múnus de Santificar da Igreja

LIVRO IV

DO MÚNUS SANTIFICADOR DA IGREJA

Cân. 834 — § 1. A Igreja desempenha o múnus de santificar de modo peculiar pela sagrada liturgia, que pode considerar-se como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, na qual por meio de sinais sensíveis se significa e, segundo o modo próprio de cada um, se opera a santificação dos homens, e pelo Corpo místico de Jesus Cristo, Cabeça e membros, se exerce o culto público integral de Deus.
§ 2. Tributa-se este culto, quando é prestado, em nome da Igreja, por pessoas le­gitimamente escolhidas e por meio de ações aprovadas pela autoridade da Igreja.
Cân. 835 — § 1. Exercem este múnus santificador em primeiro lugar os Bis­pos, que são os sumos sacerdotes, principais dispensadores dos mistérios de Deus e bem assim os moderadores, promotores e guardiães de toda a vida litúrgica na Igreja que lhes está confiada.
§ 2. Exercem-no ainda os presbíteros, que, também eles participantes do sacer­dócio de Cristo, são consagrados como seus ministros, sob a autoridade do Bispo, para celebrarem o culto divino e santificarem o povo.
§ 3. Os diáconos participam na celebração do culto divino, segundo as prescri­ções do direito.
§ 4. Também os demais fiéis, ao participarem ativamente, a seu modo, nas celebrações litúrgicas, sobretudo na eucarística, têm uma parte que lhes é própria no múnus santificador; de modo peculiar participam neste múnus os pais, vivendo em espírito cristão a vida conjugal e cuidando da educação cristã dos filhos.
Cân. 836 — Já que o culto cristão, no qual se exerce o sacerdócio comum dos fiéis, é uma obra que procede da fé e nela se baseia, esforcem-se diligentemente os ministros sagrados por suscitar e ilustrar essa fé principalmente pelo ministério da palavra, mediante a qual ela nasce e se alimenta.
Cân. 837 — § 1. As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da própria Igreja, que é “sacramento da unidade”, ou seja, o povo santo, reunido e ordenado sob a dependência dos Bispos; por isso, pertencem a todo o corpo da Igreja, que manifestam e afetam; atingem porém cada um dos seus membros de modo diverso, em razão da diversidade das ordens, funções e participação atual.
§ 2. As ações litúrgicas, na medida em que por sua natureza importam a cele­bração comunitária, celebrem-se, onde for possível, com a assistência e participação ativa dos fiéis. 153 LIV. IV — Do múnus santificador da Igreja
Cân. 838 — § 1. O ordenamento da sagrada liturgia depende unicamente da autoridade da Igreja, a qual se encontra na Sé Apostólica e, segundo as normas do direito, no Bispo diocesano.
§ 2. Pertence à Sé Apostólica ordenar a liturgia sagrada da Igreja universal, editar os livros litúrgicos e rever as versões dos mesmos nas línguas vernáculas, e ainda vigiar para que em toda a parte se observem fielmente as normas litúrgicas.
§ 3. Compete às Conferências episcopais preparar as versões dos livros litúrgi­cos nas línguas vernáculas, convenientemente adaptadas dentro dos limites fixados nos próprios livros litúrgicos, e editá-las, depois da revisão prévia da Santa Sé.
§ 4. Ao Bispo diocesano, na Igreja que lhe foi confiada, pertence, dentro dos limites da sua competência, dar normas em matéria litúrgica, que todos estão obri­gados a observar.
Cân. 839 — § 1. A Igreja desempenha ainda o seu múnus santificador por outros meios, a saber: as orações, pelas quais se pede a Deus que os fiéis sejam santificados na verdade, as obras de penitência e de caridade, que muito contribuem para enraizar e fortalecer o Reino de Cristo nas almas e para a salvação do mundo.

§ 2. Procurem os Ordinários dos lugares que as orações e demais exercícios piedosos e sagrados do povo cristão sejam perfeitamente conformes com as nor­mas da Igreja.

sábado, 14 de junho de 2014

Santíssima Trindade, Conhecer para Amá-la!

Santíssima Trindade


“Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos! Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe fez o dom para receber em troca? Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém”. (Rm 11, 33-36).
Sobre a Santíssima Trindade, começo com um pensamento do século IV de Santo Atanásio, bispo, que diz assim: “não podemos perder de vista a tradição, a doutrina e a fé da Igreja Católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram.” A doutrina da Igreja de Cristo não é um passa tempo para intelectuais, nem um mero e simples “devocionismo popular”, mas é a doutrina, o ensinamento das coisas sagradas, daquilo que contemplaremos na eternidade. Continua Santo Atanásio, “cremos na Trindade santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potencia e força operativa; uma só é a sua natureza, uma só é a sua eficiência e ação.”
Sobre a Trindade, o Concílio Lateranense afirma que: “cremos firmemente e afirmamos simplesmente que há um só verdadeiro Deus eterno, imenso e imutável, incompreensível, todo-poderoso e inefável, Pai, Filho e Espírito Santo: Três Pessoas, mas uma Essência, uma Substância ou Natureza absolutamente simples”(CIC 202). Logo, como diz Santo Agostinho, a Trindade é Deus e Deus é a Trindade. O Catecismo da Igreja no nº 249 diz que “a verdade revelada da Santíssima Trindade esteve desde as origens na raiz da fé viva da Igreja, principalmente por meio do Batismo”. “Para a formulação do dogma da Trindade. A Igreja teve de desenvolver uma terminologia própria, recorrendo a noções de origem filosófica: ‘substância’, ‘pessoa ou hipóstase’, ‘relação’ etc.” (CIC 251).
“Foi Tertuliano quem criou o termo trínitas em latim. Ele elaborou a forma ‘uma substância em Três Pessoas’”. Assim podemos compreender melhor a Trindade conhecendo a sua Gramática: “uma natureza, ou essência: divina; duas processões: filho e Espírito, três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; quatro relações: paternidade, filiação, espiração ativa e espiração passiva; Cinco noções: inascibilidade, paternidade, filiação, espiração ativa e espiração passiva”. Aqui compreendemos toda a Trindade até aonde permite a nossa razão. Pois no final de tudo, quando a capacidade humana racional se esgotar diante de tamanho mistério, entrará o silêncio contemplativo.
Para compreender a Santíssima Trindade podemos resumir sua doutrina “em seis proposições, que desvelam toda a sua complexidade: 1. O Pai é Deus e, invertendo, Deus é o Pai; 2. O Filho é Deus e Deus é o Filho; 3. O Espírito Santo é Deus e Deus é o Espírito Santo. E agora, de modo negativo, para não deixar dúvidas quanto à sua distinção das Pessoas; 4 O Pai não é o Filho nem o Espírito Santo; 5. O Filho não é o Pai nem o Espírito Santo; e 6. O Espírito Santo não é o Pai nem o Filho” (GRINGS, 1999, p. 105).
Vemos assim que o Pai é somente o Pai, que o Filho é somente o Filho e que o Espírito Santo é ele mesmo. Santo Agostinho diz: “o Deus verdadeiro não é somente o Pai, mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (AGOSTINHO, A Trindade, 1994, p. 227). Na Trindade a matemática perde sua lógica, pois Três são Um.

Referências:

AGOSTINHO, Santo. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. Português. São Paulo: Paulus, 2004.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 1999.

GRINGS, Dadeus. Creio na Santíssima Trindade: jubileu do ano 2000. Aparecida: Editora Santuário, 1999.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Brasil, País antagônico: Copa do Mundo.

COPA DO MUNDO


Hoje começa a Copa do Mundo. O Brasil é privilegiado por ser o País que tal evento acontecerá. Copa do Mundo enquanto esporte é uma arte e uma alegria para milhões de pessoas no Mundo todo. O Papa Francisco na sua mensagem para a Copa do Mundo, disse que é um evento de solidariedade entre os povos. É um momento oportuno para o diálogo entre as Nações.
Contudo não podemos esquecer que o Brasil correu contra o tempo para construir estádios para os jogos; que procurou atender as exigência da FIFA. Só poderão ir aos estádios aquelas pessoas que têm condições. A Copa do Mundo é para ricos... Pobres assistirão em casa pela sua TV comprada a prestação.
O Brasil é uma realidade antagônica. Enquanto mostra a bela construção de estádios, bem perto, a poucos quilômetros deles aparecem, como pano de fundo, as favelas...
Seria bom ter Copa do Mundo todo ano no Brasil...
Mas, a parte essa realidade, vamos curtir a beleza do ESPORTE e construir um mundo mais humano e solidário, como disse o Papa Francisco. Que a Copa do Mundo não nos faça esquecer dos que estão à margem da sociedade, nas periferias e, também, periferias existenciais...





Mensagem do Papa Francisco para a Copa do Mundo

Martírio de Estevão (At 7, 51-60)

Martírio de Estevão



O martírio de Estevão se deu, como foi visto, por causa do seu testemunho de fé em Jesus Cristo. A sua morte é, na verdade, “o ponto máximo da repressão judaica”[1] contra os apóstolos. Esta perícope (Lc 7,55-8,1a) revela uma profunda espiritualidade daquele que é o primeiro mártir da história do cristianismo. Conforme At 7,55, “ele estava cheio do Espírito Santo”, ou seja, o Espírito Santo estava presente com grande poder, a ponto de possibilitar a Estevão “um momento gostosíssimo da glória celestial.”[2] Ao ver a “glória de Deus”, Estevão contempla aquilo que os israelitas viam no deserto, quando Deus mostrava sua glória na libertação do Egito. Neste sentido, o mesmo Deus que estava com o povo judeu, agora está com a Igreja – povo de Deus – nascente.
Estevão começa o seu discurso falando “do Deus da glória (7,22), e termina o seu discurso tendo uma visão dessa glória, pertencente ao Filho do Homem”.[3] A postura de Cristo ao lado do Pai, na hora do martírio, reflete uma postura de quem está na qualidade de testemunha do ato cruento.
Estevão faz questão de falar que vê o “céu aberto e o Filho do Homem à direita de Deus.” Isto revela que Cristo está reinando e que o Pai juntamente com o Filho expira o Espírito Santo para zelar e governar a sua Igreja. O sangue do primeiro mártir é fonte de vida nova para a Igreja nascente. Contemplado com tão bela visão, ele faz questão de testemunhá-la, o que provocou a ira dos judeus. A precipitação violenta do povo contra Estevão, mostra mais uma vez a manipulação das autoridades judaicas contra a obra divina. A maneira como é morto o primeiro mártir é idêntica à de Cristo. Aqueles algozes, impulsionados pela inveja, tornaram-se selvagens, bem diferentes de um filho de Deus. A maldade caiu sobre o amor. Não houve julgamento justo e leal; não houve decisão judicial “formalmente proferida”.[4]
Saulo estava por perto (7,58), vendo tudo e aprovando, pois ainda perseguia os cristãos, e recebe e suas mãos as vestes de Estevão, bem como os seus objetos de valores pessoais. Sem dúvida, Paulo, no início de sua caminhada, foi culpado de muitos crimes contra os cristãos (At 9,13-14). O texto diz que Saulo era jovem, mas essa expressão “pode referir-se a um homem até à idade de quarenta e cinco anos”.[5]
A invocação de Estevão para Deus receber o seu espírito, está em conformidade com aquela feita por Cristo na cruz. Uma bela expressão de confiança diante da própria visão que tivera. O céu é o prêmio que a coroa do martírio possibilita, como o próprio nome de Estevão, em “grego Stephanos, que significa coroa.”[6] E antes de morrer, pede perdão para os seus algozes, pois são ignorantes, não sabem o que estão fazendo. O perdão é um dom manifestado por Cristo, e Estevão agora coloca em prática. O amor supera a rebeldia.




[1] FABRIS, 1991, p. 145.
[2] CHAMPLIN, 2002, p. 164.
[3] Ibidem, p. 165.
[4] Ibidem, p. 165.
[5] Ibidem, p. 166.
[6] BOGAERT et al, 2013, 483.


Referências:

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. Português. São Paulo: Paulus, 2004.
BOGAERT, Pierre-Maurice, et al. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. São Paulo: Paulus; Loyola; Paulinas; Academia Cristã, 2013.
CHAMPLIN, R. Norman. Novo Testamento: versículo por versículo. v. 3: Atos, Romanos. São Paulo: Hagnos, 2002.
FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. v. 3. São Paulo: Loyola, 1991.


Permanecer em Jesus - Tronco que dá vida aos Ramos: Igreja.

Permanecer em Jesus


Jesus, a videira verdadeira (15,1-17), é uma perícope dividida em dois blocos: a primeira parte é uma alegoria e a segunda parte uma explicação. Para compreender melhor, os caps. 15–17 parecem estar em desarmonia como se fossem colocados no Evangelho mais tarde, pois o cap. 14,31 termina com um convite de Jesus para sair e ir para outro local, que pode ser compreendido no cap. 8,1ss. Mas é um fragmento próprio de João, com característica própria do evangelista. Estes capítulos, na verdade, é mais um discurso de despedida.
O texto da Videira pode ser dividido segundo Fabris e Maggioni da seguinte forma: “a alegoria da vide e os ramos (vv. 1-6) e um discurso explicativo (vv. 7-17)”.[1] Jesus começa a sua pregação dizendo que ele é a “videira verdadeira”, mas com a expressão ego eimi: eu sou. Outras afirmações análogas desse tipo já foram feitas: eu sou o pão, eu sou o caminho, eu sou a luz. No caso da videira, ele dá ênfase na verdade: eu sou a videira verdadeira, diferente de outros que surjam, ou mesmo diferenciando a antiga aliança com a Nova Aliança em seu nome. Também é muito provável que “Jo pretende opor-se às propostas do sincretismo helenista, que exerce fascínio sobre os seus contemporâneos”.[2]
É do conhecimento de todos que o tema da videira já era apresentado no AT com determinada importância por Is 5,1-7. Neste contexto, a vinha, logicamente, é Israel, a esposa do Senhor. Porém, a esposa trai o seu amado, e torna-se seca e improdutiva. Da sua vinha, Deus disse: “arrancarei a sua cerca para que sirva de pasto”(Is 5,5). Diferente do antigo Israel, em Jesus é possível ter uma vinha verdadeira e que produza frutos bons e agradáveis.
Se Jesus é a videira, a Igreja – povo de Deus – são os ramos. E para que a Igreja dê bons frutos ela deve permanecer unida, íntima, em plena comunhão com o tronco. Caso contrário, o Pai que é o zelador (v. 2.) cortará e jogará fora aqueles ramos que não servem. Neste sentido, dar frutos é fazer a vontade de Jesus e do Pai, não dar frutos significa uma vida toda no pecado, fora da comunidade eclesial. Para o evangelista, a permanência é recíproca, contudo, da parte de Jesus esta permanência é segura e honesta, já da parte dos membros nem sempre.  “Critério do juízo são os frutos: o ramo frutífero é podado, mas o ramo estéril é queimado. Mais profundamente, o critério do juízo é o permanecer em Cristo, isto é, a mais absoluta dependência”.[3] O v. 10 vai dizer que permanecer em Jesus é permanecer no seu amor e guardar os seus mandamentos. Este ato de permanecer se dá da seguinte forma: Cristo é o mediador entre o Pai e os discípulos, ou seja, aquele que proporciona a comunhão entre a eclesia e a Trindade. Logo, “estar unido a Cristo como ramo à videira significa estar inserido no seu amor, que tem sua vertente na comunhão do Pai e do Filho (v.9)”.[4]
O amor é a maior expressão de unidade e de comunhão entre a própria Igreja e desta com o seu Mestre. De fato, a comunidade dos crentes, dos discípulos é o lugar do amor. A Igreja, neste sentido, sabe que “somente a entrega aos outros pode dar a certeza de ser objeto do amor de Deus. Este é o critério que discerne a autenticidade da experiência interior”.[5]
Concluindo, é possível dizer que: permanecer unido à videira verdadeira e dar bons frutos é fazer a vontade do Pai e do Filho pela força do Espírito Santo praticando e expressando os mandamentos de forma amorosa na comunidade. Cristo quer uma Igreja em comunhão, em harmonia uns com os outros, em plena alegria (v. 11), e os mandamentos serão a garantia dessa realização.






[1] FRABIS; MAGGIONI, 2006, p. 428.
[2] Ibidem, p. 429.
[3] Ibidem, p. 431.
[4] Ibidem, p. 433.
[5] MATEOS; BARRETO, 1999, p. 651.


Referências:

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. Português. São Paulo: Paulus, 2004.
FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos II. ed. 4. São Paulo: Edições Loyolas, 2006.
INTERLINEAR, grego-português, Novo Testamento. Barueri: Sociedade bíblica do Brasil, 2004.
MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de São João: análise linguística e comentário exegético. ed. 2. São Paulo: Paulus, 1999.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

JESUS: a Videira Verdadeira

A VIDEIRA VERDADEIRA

Fonte: Google.

O Evangelho segundo São João é o Evangelho do amor, da comunidade, do testemunho apostólico. O olhar eclesiológico da perícope (15,1-17) está precedido pelo aprofundamento cristológico. Uma comunidade não subsiste se não estiver fundamentada em Cristo-videira. João alerta sua comunidade a permanecer, a ficar com o Senhor, pois Cristo está no Pai e o Pai está com o Filho. Permanecer no Filho é permanecer na Trindade.
“O olhar fixo de Jesus ultrapassa o tempo das separações, para aplicar-se diretamente à futura existência das comunidades dos discípulos e fortificá-la”[1]. Isto que é prometido em 14,20 (Nesse dia compreendereis que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós) é pressuposto para 15,4 “Permanecei em mim como eu em vós.” Depois os convida para sair, Jesus prossegue com a imagem da vinha e dos ramos. No AT, a videira representa Israel (Sl 80,9-17; Os 10,1; Is 5,1-7; 27,2-6; Jr 2,21; Ez 15,1-8; Eclo 24,17-20), neste trecho de (Jo 15,1-17), é Jesus intimamente unido aos ramos que são os discípulos (cf a imagem da porta e do Pastor do capítulo 10). “A videira ou vinha era de fato símbolo de Israel como povo de Deus.”[2] Na perícope, Jesus quer fortificar os discípulos na missão com plena intimidade com Ele mesmo e com o Pai. Para que o discipulado dê frutos é preciso viver em comunidade e como comunidade unida ao Tronco, ou seja, ao Pai. Com isso, Pai e Filho se configuram na unidade e fundamento da árvore.
É possível fazer uma analogia entre a imagem da videira e àquela paulina do “corpo”. Aqui a cristologia se desenvolve em precedência do discurso da eclesiologia. Para estruturar uma Igreja é necessário antes o Cabeça. O discípulo, membro da Igreja, deve permanecer unido a Jesus-Capo, do mesmo modo que Jesus é com o Pai. Só assim poderá dar bons frutos e continuar a obra de Jesus: aquela de manifestar ao mundo o amor do Pai. O amor eclesial manifesta ao mundo o amor Trinitário no qual o discípulo é chamado a viver. Este, em síntese, é o pensamento de João.
Para João, Jesus não é uma videira qualquer, mas a única Verdadeira, que o Pai plantou no meio dos homens. O Pai, portanto, é a fonte, Jesus o revelador do seu amor, e os discípulos entram como aqueles que darão continuidade da sua obra. A comunidade participa do mesmo tronco da videira, que é Jesus. O Pai é a fonte das seivas, que por meio de Jesus, chega à comunidade dos discípulos. Esta, para produzir fruto deve permanecer em Jesus. Serão os frutos sinais de unidade e pertença da comunidade à videira.
A união dos ramos à videira não pode ser somente aparente, mas frutífera, pois os ramos que não “produz fruto, Ele – O Pai – o corta” (v. 2). A poda é diferente, o Pai quando poda, faz para que o fiel dê bons frutos. Na vida do discípulo, é preciso fazer muitas podas para que aquilo que é velho seja jogado fora.
De fato, o que não presta deve ser jogado fora. O que deve conservar-se é a palavra (v. 3) ou “as palavras” (v. 7), ou o “permaneci em mim” (v. 4) no coração do discípulo, a fim de que sejam purificados e produzam frutos. Se não tiver esta comunhão entre a comunidade e o mestre, nada podem fazer: “sem mim, nada podeis fazer” (v.5). Estar unido a Jesus-Videira, numa “imanência recíproca” possibilitará a comunidade dos discípulos pedirem o que quiser e será concedido por parte do Pai (v.7). O Pai é glorificado não somente pelo testemunho do Filho, mas pelos frutos visíveis dos verdadeiros discípulos de Jesus. (v.8).
Da alegoria (15,1-8), Jesus passa agora a falar das realidades do amor (15,9ss): “o frutificar-se revela-se no mais profundo do amor”[3]. Também é possível dizer que “o fruto é a realidade do homem novo”.[4] Jesus convida os discípulos a permanecer no amor dele e do Pai. O amor que o Pai tem para com Jesus é a fonte e o arquétipo do amor de Jesus para os discípulos: “assim como o Pai me amou também eu vos amei” (v. 9). Jesus continua ensinando os seus discípulos dizendo que a maior prova de amor será a observância dos mandamentos; Cristo é o modelo: Ele guarda os mandamentos do Pai, assim também a comunidade eclesial deve guardar os mandamentos de Jesus. Os mandamentos são aquelas leis divinas pelas quais a comunidade deve viver. E o mandamento de que Jesus fala (v.12) é o amor fraterno; este amor fraterno, na comunidade, se reflete na acolhida, a escuta, na caridade para com os mais necessitados que fazem parte dos ramos da vinha.
“O ato de permanecer no amor de Jesus produz nos discípulos frutos de alegria (cf Gal 5,22 onde há amor sucede a alegria). Uma alegria que tem duas dimensões: cristológica, porque é a alegria dada por Cristo ressuscitado e escatológica, porque é uma alegria plena, completa, perfeita.” Quando o amor fraternal é vivido, há possibilidade de doar até a própria vida. Jesus mostra que “doar a vida” (v.13) pelos amigos é possível. Isso será visível na cruz; na cruz, Jesus morre pelos discípulos, pela Igreja e por toda a humanidade. O sinal de amor de Cristo para com os discípulos é a cruz, e o sinal do amor da Igreja para com Jesus é a prática dos mandamentos, especificamente neste texto: amar uns aos outros. Jesus alerta logo aos seus discípulos: só são “meus amigos se praticais o que vos mando”(v.14). Se os ramos não obedecerem aos mandamentos do Tronco, não podem permanecer ligados à videira. Mais uma vez Cristo volta a insistir com seus discípulos sobre a obediência aos mandamentos (cf. 14,15; 15,10). O Evangelista que evidenciar que a obediência é a base verdadeira e vital da comunidade, ao mesmo tempo em que as obras são sinais infalíveis da fé. João alerta: quem diz, na comunidade de pertencer ao Senhor, mas vive em pecado e do pecado não quer sair, negligencia os mandamentos de Cristo, e está no caminho largo que leva a perdição.
O ato de obedecer e praticar os mandamentos darão aos discípulos uma nova categoria no discipulado de Jesus: amigos. O evangelista evidencia que pertencer ao Senhor agora (15,15) é mais que ser servo, é ser amigo! No seguimento de Jesus, os discípulos eram considerados como servos (doulos) (cf. Jo 12,26; 13,13-16; Mt 10,24-25) e continuarão a sê-los talis quais. Mas agora o Senhor declara sobre outro aspecto que, pela confiança e amor neles depositados, são chamados a um grau superior, de amigos. Jesus quer aproximar mais os discípulos de si chamando-os de amigos. “A comunicação entre amigos já não é a de mestre a discípulo; já terminou o aprendizado, pois Jesus já comunicou tudo (...) o tipo de relação que Jesus tem com os discípulos é a que Jesus tem com o Pai (cf. 10,14s; 14, 10-11.20; 15,9s)”[5].  “O tema da amizade é muito importante, seja no mundo greco-romano, seja no judaico. No judaísmo são amigos de Deus Abraão (Is 41,8; 2Cr 20,7; Tg 2,23), Moisés (Ex 33,11)” e aqueles capazes de penetrar os mistérios de Deus, como os profetas. Jesus, ao elevar os discípulos a categoria de amigos, está lhes dando a possibilidade de uma “vida de santidade e intimidade com Deus, capaz de penetrar no mais profundo conhecimento de suas exigências ou de seus mistérios ao passo de torná-los seus interpretes autorizados, capazes de iluminar os outros homens”. Este versículo dá um novo sentido aos membros da comunidade joanina e, hoje, a toda a Igreja: a amizade que deve haver entre os discípulos e o Mestre. A importância da amizade é tanta que o Filho deu aos amigos aquilo que até então estava entre Ele mesmo e o Pai: “tudo que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer”. Jesus é fiel e obediente ao Pai, pois o que Jesus passa aos discípulos é vontade própria do Pai. Cristo é a Ponte e o conteúdo por onde passa o plano de salvação. Ele é a ponte porque o conteúdo vem do Pai, mas Ele é também o conteúdo salvífico, ele é a salvação encarnada. A mesma comunhão que existe na trindade, é reflexo da comunhão que deve existir entre os membros da comunidade.
O discípulo não pode esquecer-se quanto ao objetivo da missão: permanecendo sempre com Jesus, ir para missão e dar frutos (v.16). O discípulo não pode vangloriar-se dessa amizade, pois Jesus exorta: “não foste vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi”. Parece uma exortação muito dura; de fato, Brown vê nestas palavras um aviso para não se orgulhar depois das grandes coisas que Jesus lhes tinha anunciado como revelação do Pai. Os discípulos tem uma missão muito importante, não podem vacilar neste projeto salvífico. É Jesus quem escolhe aquele que Ele quer (Marcos 3,13), a escolha já é uma graça, um dom: participar da vida eterna e da eterna comunhão trinitária. Os discípulos são enviados, os frutos devem aparecer, e o testemunho deve permanecer, testemunho de vida fraternal. Só assim é que qualquer coisa que for pedido ao Pai em nome de Jesus lhes será concedido. Os versículos 16 e 17 é a conclusão da eclesia formada e querida por Jesus e vivenciada na comunidade joanina. A Igreja é constituída por Cristo, Ele assim o quis (Mt 28,19-20), “eu que vos escolhi e vos designei para irdes”. Aqui é possível dizer que antes da eclesiologia vem a cristologia, sendo a base da eclesia o mandato: “amai-vos uns aos outros” (v.17).
Os discípulos, como comunidade fundamentada no amor, devem enfrentar o mundo com uma nova proposta evangélica: o Reino de Deus. Este Reino será constituído pelo novo povo de Deus que farão parte deste caminho salvífico. A missão dos discípulos, colocada por João nesta perícope analisada, será agregar pela força do Espírito Santo todos os homens e mulheres debilitados pelo pecado. E a primeira forma de anúncio é o testemunho comunitário.



 
Fonte: Google.






[1] Schnackenburg, Rudolf.  Il vangelo di Giovanni. Brescia: Paideia, 2000.
[2] MATEOS, Juan, S. J. O Evangelho de João: análise linguística e comentário exegético. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999.
[3] Schnackenburg, 2000.
[4] MATEOS, 1999.
[5] MATEOS, 1999. 



REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. Português. São Paulo: Paulus, 2004.
MATEOS, Juan, S. J. O Evangelho de João: análise linguística e comentário exegético. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999.
OLIVEIRA, C. J. Pinto de. O Evangelho da unidade e do amor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. 
SCHNACKENBURG, Rudolf.  Il vangelo di GiovanniBrescia: Paideia, 2000.