A VIDEIRA VERDADEIRA
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Para João, Jesus não é uma videira qualquer, mas a
única Verdadeira, que o Pai plantou no meio dos homens. O Pai, portanto, é a
fonte, Jesus o revelador do seu amor, e os discípulos entram como aqueles que
darão continuidade da sua obra. A comunidade participa do mesmo tronco da
videira, que é Jesus. O Pai é a fonte das seivas, que por meio de Jesus, chega à
comunidade dos discípulos. Esta, para produzir fruto deve permanecer em Jesus. Serão
os frutos sinais de unidade e pertença da comunidade à videira.
A união dos ramos à videira não pode ser somente
aparente, mas frutífera, pois os ramos que não “produz fruto, Ele – O Pai – o corta”
(v. 2). A poda é diferente, o Pai quando poda, faz para que o fiel dê bons
frutos. Na vida do discípulo, é preciso fazer muitas podas para que aquilo que
é velho seja jogado fora.
De fato, o que não presta deve ser jogado fora. O
que deve conservar-se é a palavra (v. 3) ou “as palavras” (v. 7), ou o “permaneci
em mim” (v. 4) no coração do discípulo, a fim de que sejam purificados e
produzam frutos. Se não tiver esta comunhão entre a comunidade e o mestre, nada
podem fazer: “sem mim, nada podeis fazer” (v.5). Estar unido a Jesus-Videira,
numa “imanência recíproca” possibilitará a comunidade dos discípulos pedirem o
que quiser e será concedido por parte do Pai (v.7). O Pai é glorificado não
somente pelo testemunho do Filho, mas pelos frutos visíveis dos verdadeiros
discípulos de Jesus. (v.8).
Da alegoria (15,1-8), Jesus passa agora a falar das realidades
do amor (15,9ss): “o frutificar-se revela-se no mais profundo do amor”[3]. Também
é possível dizer que “o fruto é a realidade do homem novo”.[4] Jesus
convida os discípulos a permanecer no amor dele e do Pai. O amor que o Pai tem
para com Jesus é a fonte e o arquétipo do amor de Jesus para os discípulos:
“assim como o Pai me amou também eu vos amei” (v. 9). Jesus continua ensinando os seus discípulos dizendo que a maior
prova de amor será a observância dos mandamentos; Cristo é o modelo: Ele guarda
os mandamentos do Pai, assim também a comunidade eclesial deve guardar os
mandamentos de Jesus. Os mandamentos são aquelas leis divinas pelas quais a
comunidade deve viver. E o mandamento de que Jesus fala (v.12) é o amor
fraterno; este amor fraterno, na comunidade, se reflete na acolhida, a escuta,
na caridade para com os mais necessitados que fazem parte dos ramos da vinha.
“O ato de permanecer no amor de Jesus produz nos
discípulos frutos de alegria (cf Gal 5,22 onde há amor sucede a alegria). Uma
alegria que tem duas dimensões: cristológica, porque é a alegria dada por
Cristo ressuscitado e escatológica, porque é uma alegria plena, completa,
perfeita.” Quando o amor fraternal é vivido, há possibilidade de doar até a
própria vida. Jesus mostra que “doar a vida” (v.13) pelos amigos é possível.
Isso será visível na cruz; na cruz, Jesus morre pelos discípulos, pela Igreja e
por toda a humanidade. O sinal de amor de Cristo para com os discípulos é a
cruz, e o sinal do amor da Igreja para com Jesus é a prática dos mandamentos,
especificamente neste texto: amar uns aos outros. Jesus alerta logo aos seus
discípulos: só são “meus amigos se praticais o que vos mando”(v.14). Se os
ramos não obedecerem aos mandamentos do Tronco, não podem permanecer ligados à
videira. Mais uma vez Cristo volta a insistir com seus discípulos sobre a
obediência aos mandamentos (cf. 14,15; 15,10). O Evangelista que evidenciar que
a obediência é a base verdadeira e vital da comunidade, ao mesmo tempo em que
as obras são sinais infalíveis da fé. João alerta: quem diz, na comunidade de pertencer
ao Senhor, mas vive em pecado e do pecado não quer sair, negligencia os
mandamentos de Cristo, e está no caminho largo que leva a perdição.
O ato de obedecer e praticar os mandamentos darão
aos discípulos uma nova categoria no discipulado de Jesus: amigos. O
evangelista evidencia que pertencer ao Senhor agora (15,15) é mais que ser
servo, é ser amigo! No seguimento de Jesus, os discípulos eram considerados
como servos (doulos) (cf. Jo 12,26; 13,13-16; Mt 10,24-25) e continuarão a
sê-los talis quais. Mas agora o
Senhor declara sobre outro aspecto que, pela confiança e amor neles
depositados, são chamados a um grau superior, de amigos. Jesus quer aproximar
mais os discípulos de si chamando-os de amigos. “A comunicação entre amigos já
não é a de mestre a discípulo; já terminou o aprendizado, pois Jesus já
comunicou tudo (...) o tipo de relação que Jesus tem com os discípulos é a que
Jesus tem com o Pai (cf. 10,14s; 14, 10-11.20; 15,9s)”[5]. “O tema da amizade é muito importante, seja no
mundo greco-romano, seja no judaico. No judaísmo são amigos de Deus Abraão (Is
41,8; 2Cr 20,7; Tg 2,23), Moisés (Ex 33,11)” e aqueles capazes de penetrar os
mistérios de Deus, como os profetas. Jesus, ao elevar os discípulos a categoria
de amigos, está lhes dando a possibilidade de uma “vida de santidade e
intimidade com Deus, capaz de penetrar no mais profundo conhecimento de suas
exigências ou de seus mistérios ao passo de torná-los seus interpretes
autorizados, capazes de iluminar os outros homens”. Este versículo dá um novo
sentido aos membros da comunidade joanina e, hoje, a toda a Igreja: a amizade
que deve haver entre os discípulos e o Mestre. A importância da amizade é tanta
que o Filho deu aos amigos aquilo que até então estava entre Ele mesmo e o Pai:
“tudo que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer”. Jesus é fiel e obediente ao Pai,
pois o que Jesus passa aos discípulos é vontade própria do Pai. Cristo é a
Ponte e o conteúdo por onde passa o plano de salvação. Ele é a ponte porque o
conteúdo vem do Pai, mas Ele é também o conteúdo salvífico, ele é a salvação
encarnada. A mesma comunhão que existe na trindade, é reflexo da comunhão que
deve existir entre os membros da comunidade.
O discípulo não pode esquecer-se quanto ao objetivo
da missão: permanecendo sempre com Jesus, ir para missão e dar frutos (v.16). O
discípulo não pode vangloriar-se dessa amizade, pois Jesus exorta: “não foste
vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi”. Parece uma exortação muito
dura; de fato, Brown vê nestas palavras um aviso para não se orgulhar depois
das grandes coisas que Jesus lhes tinha anunciado como revelação do Pai. Os
discípulos tem uma missão muito importante, não podem vacilar neste projeto
salvífico. É Jesus quem escolhe aquele que Ele quer (Marcos 3,13), a escolha já
é uma graça, um dom: participar da vida eterna e da eterna comunhão trinitária.
Os discípulos são enviados, os frutos devem aparecer, e o testemunho deve
permanecer, testemunho de vida fraternal. Só assim é que qualquer coisa que for
pedido ao Pai em nome de Jesus lhes será concedido. Os versículos 16 e 17 é a conclusão
da eclesia formada e querida por Jesus e vivenciada na comunidade joanina. A
Igreja é constituída por Cristo, Ele assim o quis (Mt 28,19-20), “eu que vos
escolhi e vos designei para irdes”. Aqui é possível dizer que antes da
eclesiologia vem a cristologia, sendo a base da eclesia o mandato: “amai-vos
uns aos outros” (v.17).
Os discípulos, como comunidade fundamentada no amor,
devem enfrentar o mundo com uma nova proposta evangélica: o Reino de Deus. Este
Reino será constituído pelo novo povo de Deus que farão parte deste caminho
salvífico. A missão dos discípulos, colocada por João nesta perícope analisada,
será agregar pela força do Espírito Santo todos os homens e mulheres
debilitados pelo pecado. E a primeira forma de anúncio é o testemunho
comunitário.
[1] Schnackenburg, Rudolf. Il
vangelo di Giovanni. Brescia:
Paideia, 2000.
[2] MATEOS, Juan, S. J. O Evangelho de João: análise linguística e comentário exegético. 2.
ed. São Paulo: Paulus, 1999.
[4] MATEOS, 1999.
[5] MATEOS, 1999.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. Português. São Paulo: Paulus, 2004.
MATEOS, Juan, S. J. O Evangelho de João: análise linguística e comentário exegético. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999.
OLIVEIRA, C. J. Pinto de. O Evangelho da unidade e do amor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963.
SCHNACKENBURG, Rudolf. Il vangelo di Giovanni. Brescia: Paideia, 2000.
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