quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Eucaristia na Igreja - Cristo vivo entre nós

ESQUEMA DA EUCARISTIA[1]



I.                   ORIGEM E EVOLUÇÃO DA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA.
1.      Centralidade do tema – a celebração da missa constitui o centro de toda a vida cristã para a igreja universal. Na missa capta a presença dinâmica e irradiante do mistério de Cristo. A repetição das celebrações nada mais faz senão canalizar no tempo as “inexauríveis riquezas” de Cristo. Com isso constatamos ser verdade que temos o centro, o ápice e a fonte de onde decorrem todas as outras graças da igreja (SC 10). A eucaristia é totalizante e finalizante. Toda a vida da igreja está em estreita relação com a missa.
2.      Ponto de partida: o gesto da última ceia – é dado universalmente conhecido e aceito que a nossa eucaristia tenha o seu início e que encontre as suas linhas essenciais no gesto que Jesus fez na última ceia com os seus discípulos. Existe uma dificuldade quando queremos determinar com absoluto rigor qual foi o núcleo primitivo de onde tudo partiu. Com o passar do tempo, as várias tradições litúrgicas foram se configurando.
3.      O Cristo “de Servo a Kyrios” – Jesus se viu e leu o seu destino de profeta-messias na misteriosa figura do servo de Javé que sofre e dá a sua vida pela salvação dos irmãos. “Jesus veio para servir e dá sua vida em resgate de muitos”(Mc 10,45). O que o apóstolo Paulo e Lucas quiseram explicar na forma usada em 1Cor 11,24; Lc 22,19;  de maneira a tornar mais compreensível para as comunidades helenísticas. Quanto às palavras relativas ao cálice do “sangue derramado por vós” (Lc 22,20;1Cor 11,25) ou “por muitos” (segundo Marcos 14,24, a que Mt 26,28 acrescenta: “pela remissão dos pecados”), o sentido se torna ainda mais claro na linha do ‘servo sofredor’. Jesus antes da sua Paixão realiza a ‘ação profética’. Jesus é o cordeiro de Deus, identificado por Paulo 1Cor 5,7 e por João Batista Jo 1,16, celebrado na primeira eucaristia e, que depois por sua ordem (“Fazei isto em memória de mim” Lc 22,18), nas primeiras comunidades cristãs. Na cruz de Jesus nada tinha de litúrgico, mas na última ceia ele escolheu pessoalmente os sinais e os ritos, sob os quais queria que se perpetuasse tudo o que realizara e cumprira na sua grande ‘hora’ habilitando os apóstolos a fazer o mesmo. Com o sacramento da nova aliança no lugar da antiga já superada, Jesus instituiu o sacramento do ‘corpo doado e do sangue derramado’.  A eucaristia enquanto sacramento – presença real – só se verifica no ato que celebra ou reatualiza o sacrifício de Cristo, ou seja, torna presente o gesto do ‘servo de Javé’. O Cristo da eucaristia é o ‘servo sofredor’ que se tornou o Kyrios depois da morte e ressurreição. Cristo é o ‘servo-kyrios’ Salvador.
4.      Da liturgia da ceia judaica à cristã – a questão histórica procura saber se se tratou da ceia judaica e verificar quando Jesus a celebrou com os seus discípulos. Os pesquisadores e os historiadores buscam identificar os ritos e as orações da mesa  que estavam em uso no judaísmo contemporâneo a Jesus; se Jesus se serviu dessas orações e se foram inspirações para o gênero literário posterior. As composições cristãs não seguiram ao pé da letra os formulários judaicos.
5.      Nomes da Eucaristia – o nome mais antigo que aparece no NT é p usado por Paulo: Ceia do Senhor (1Cor 11,19) ou fração do pão (Lc 24,35). Outro termo que se encontra na Didaqué é o de (Ação de Graças e Louvor) que depois vem a se tornar o mais frequente e o mais difundido no Ocidente e no Oriente. O vocabulário leitougia, do grego, designa no começo o conjunto das cerimonias públicas ou a celebração do ofício divino; depois do século IX, serve simplesmente para indicar a missa. O nome missa prevaleceu entre nós, ao passo que eucaristia, para os fieis de hoje, mais do que uma ação sagrada a ser feita comunitariamente, lembra a presença real do corpo de Cristo fora da missa.
6.      Formação das preces eucarística nas várias liturgias – através dos documentos mais antigos se formarão o esqueleto da oração eucarística clássica: benção ou ação de graças que terá como objeto tanto o Deus criador como o Cristo redentor. Depois do relato da ceia, obedecendo ao mandato de Jesus de fazer memória explicita ou ‘celebra-se o memorial’, não só dele ou da quinta feira santa, mas de todo o seu mistério pascal de morte e ressurreição até a parusia (vinda). Assim a Igreja pode oferecer o grande sacrifício da nova aliança, que pode tomar várias denominações: desde a Oblatio munda (sacrifício puro Ml 1,11) predita por Malaquias e agora realizada em Cristo, até a oblação espiritual (oblatio rationabilis – hostiam viventem: hóstias vivas, sacrifício vivo Rm 12,1).
7.      A celebração eucarística: as grandes etapas da sua evolução histórica – na época mais primitiva, a celebração tinha caráter doméstico familiar, pela exiguidade das assembleias participantes e pela união da eucaristia com a ceia da ágape, pela falta de lugares públicos de culto próprios dos cristãos, e isto especialmente em época de perseguição. A medida que o cristianismo vai aumentando o número de seus fieis, acaba que enfrentar os novos processos de evolução, criando diversas tradições litúrgicas que formarão com o tempo as chamadas ‘famílias litúrgicas’.  É interessante saber que a primeira descrição da missa encontrada fora do NT, a de Justino, na metade do séc. II tem os seguintes elementos: leituras das ‘memórias dos apóstolos’; homilia do presidente da celebração seguida de uma oração dos fiéis, concluída com o beijo de paz; oferta e grande oração eucarística; comunhão dos presentes (enviada também aos ausentes); coleta de esmola para os pobres. A liturgia romana dispõe de poucas informações, sabe-se que foi usada a língua grega até o séc. III; obscuro é a origem do cânon romano (é citado a partir do séc. IV). A época patrística levou ao grande florescimento teológico bem conhecido (séc. IV-V), também praticamente criou o fundo eucológico romano das orações, concretizado nas três grandes coletâneas dos sacramentários, Gelasiano, Veronense e Gregoriano. A Idade Média não ousou tocar nesta estrutura essencial da missa. Limitou-se a utilizar o rico tesouro da antiguidade, salvas poucas criações. A comunhão tornara cada vez mais rara e já não era o ato normal de toda a ‘família cristã’ dos batizados reunida em torno da vida comum para participar do sacrifício da nova aliança. A eucaristia foi privada se transformado em ato de devoção e muitas vezes tinha lugar fora da celebração da missa, enfatizando a adoração da presença real. Foi neste tempo que passou a ser recebida de joelhos e diretamente na boca, por regra sob uma única espécie. Com o crescimento das novas fileiras de mendicantes, se multiplicou o número de sacerdotes, estes nos seus conventos começaram a celebrar a missa por devoção. O povo foi se tornando cada vez mais espectador na missa. O Concílio de Trento se limitou a defender, repetir, reforçar os dados incluídos na doutrina e na praxe católica. Com o concílio foi acentuado a distância entre clero e povo. Com o Vaticano II reemergiu a noção de mistério, mediante a qual o evento histórico-salvífico de Cristo pode ser reatualizado sob o invólucro dos sinais sacramentais.


II.                A celebração da missa: dinâmica e significados
1.      A comunidade que se reúne (assembleia e rito de entrada) – A Igreja é a comunidade dos que se reúnem dentro da grande convocação da fé completada pela incorporação batismal em Cristo. Para fazer a eucaristia é necessária a igreja e é preciso fazer igreja junto com os irmãos sob a presidência de um sacerdote-pastor que representa Cristo no meio dos seus. A missa não é apenas um preceito dominical, mas é sempre adesão nova e livre na fé à convocação eclesial e eucarística. Acima da obrigação jurídica e da rotina, o cristão esclarecido sabe que a missa é festa na páscoa semanal e quer fazer festa junto com os irmãos. Só se pode fazer eucaristia onde existe uma igreja legitimamente reunida e vice-versa.
2.      Comunidade de escuta (liturgia da palavra) – no início, depois das intervenções do sacerdote, dos cantores, do povo, agora a liturgia da Palavra constitui o primeiro grande polo que forma o arcabouço da missa junto com outro polo essencial: a liturgia sacrifical (do ofertório em diante). A assembleia senta, o silencio religioso de todos, a palavra do Senhor é proclamada. A missa mais antiga começava com esse momento. No momento da liturgia da Palavra é importante que a proclamação deva ser perceptível por todos, que o leitor tenha boa dicção e proclame pausadamente ajudando a assembleia compreender o texto. Que haja preparação e que evite as improvisações. O belo costume de acompanha o evangelho com velas e incenso continua sendo bem oportuno. Vamos citar S. Agostinho que diz: a “Palavra de Cristo não é menos do que o Corpo de Cristo”. Também é de S. Agostinho a frase: que se bebe o Cristo no cálice das Escrituras como no cálice eucarístico.
3.      Comunidade convivial (ofertório) – aqui, o sacerdote e os ministros juntamente com o povo se deslocam da sede da liturgia da Palavra e do ambão para a mesa do altar. Os novos elementos lembram uma comunidade convivial: mesa do altar que é preparada com vinho e pão e com os respectivos vasos sagrados e os panos de mesa. No ofertório se leva e se dispõe sobre a mesa a matéria que serve para o banquete. Na origem, o binômio pão-vinho indicava a totalidade de uma vida (corpo e sangue) oferecidos com amor. A tradição cristã preferiu ver nisto o mistério da unidade simbolizado pelo pão formado por muitos grãos de trigo e pelo vinho oriundo de muitas uvas pisadas. Já a concepção moderna sublinhou outro aspecto que pode ser integrado na síntese eucarística: cada pedaço de pão como cada gole de vinho não é fruto simplesmente da terra e da natureza, mas do trabalho e do engenho do homem.
4.      Comunidade que rende graças... (prece eucarística) – agora a dinâmica celebrativa entre no coração da eucaristia quando em tom solene convida a assembleia a elevar-se às alturas da participação interior e exterior. A celebração eucarística se tornou uma proclamação de louvor-agradecimento, pois a eucaristia está ligada a páscoa do Senhor. A missa contém o sacrifício da exaltação da Cruz, quando o filho do homem atraiu todos a si (cf. Jo 12,32). O corpo representado pelo pão é verdadeiramente também para nós “o corpo doado e partido” que foi oferecido de uma vez por todas no Calvário, e o sangue é verdadeiramente o derramado então para a redenção do mundo.  Com isso, não é possível celebrar o santíssimo sacramento sem a presença e a ação misteriosa do Espírito Santo. A eficácia das palavras de Cristo não exclui, mas implica a ação misteriosa da virtus Spiritus Sancti, que é invocada solenemente com a imposição das mãos sobre os dons. A igreja, todos os dias, ao oferecer o Cristo, aprende a se oferecer a si mesma. Se até agora, em grande parte se nos apresentou “a igreja que faz a eucaristia”, agora as coisas invertem, é “a eucaristia que faz a igreja”. Cristo nos dá o seu corpo para fazer de nós o seu corpo e, assim, vai constituindo dia após dia a igreja. É indispensável a ação do Espírito Santo, que personaliza o dom, cria as disposições necessárias dentro de nós e sobretudo cria a unidade com a oferta-sacrifício de Cristo e entre nós. O louvor e o agradecimento pelos benefícios se completa com a intercessão e a súplica a Deus. A glorificação conclusiva tem ao centro o único mediador: Por Cristo, com Cristo, em Cristo... faz retornar tudo ao Pai. E a assembleia fecha com um forte AMÉM!
5.      Comunidade de comunhão e de partilha (rito de comunhão e despedida) – no rito da comunhão, a partir de s. Gregório Magno aparece o Pai Nosso. Segue-se a oração do sacerdote pela paz, depois finalmente a fractio panis – fração do pão – gesto importante feito por Jesus na última ceia. O canto do Agnus Dei – Cordeiro de Deus – acompanha toda a fração do pão. Cristão que não aceita o convite de união completa pelo sacramento da eucaristia oferecido pelo Senhor, se torna subnutrido espiritualmente.
6.      Comunidade enviada em missão – quando o sacerdote diz:  Ite, missa est ide em paz, o Senhor vos acompanhe, é um envio missionário do povo. Os fiéis católicos por força do batismo são missionários. Toda missa celebrada é uma festa de todos os fiéis sobre o monte de Sião. É festa no céu é festa aqui. A missa tem a mesma dimensão e a mesma eficácia da cruz. É aí que a igreja, convocada pela misericórdia de Deus, se torna convocante para chamar e pôr todos os homens a par dos bens recebidos, fazê-los cientes do que lhes está reservado.
7.      A espera do banquete final – a eucaristia, memorial da páscoa do Senhor, nos abre também a perspectivas futuras – a vinda de Cristo, a Parusia, novos céus e nova terra Ap 21,1. Por isso, desde a primeira geração cristã, participar da eucaristia queria dizer receber um germe de imortalidade, um ‘antídoto contra a morte’. Então, a eucaristia com o seu passado, presente e futuro é a unificação de todo homem a Cristo.
III.                Culto eucarístico fora da missa – a igreja, desde as origens, permitia que as sagradas espécies fossem levadas para casa com a finalidade do viático. O culto eucarístico é a adoração ao mais sublime sacramento. É o momento que o fiel se entende com o seu Senhor e entra em profunda intimidade com ele.






[1] Este esquema sobre a eucaristia foi retirado do Dicionário de Liturgia. SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. Dicionário de Liturgia. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1992.

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